(agradecimentos ao irmão Cezaretti)
Para entender a criação e a falsa associação desta figura meio homem meio bode com a Maçonaria, teremos que seguir um longo e tortuoso caminho iniciando no século XII.
Depois da Primeira Cruzada, no ano 1119 em Jerusalém, surge um pequeno grupo de militares formando uma ordem religiosa tendo como seu principal objetivo proteger os peregrinos visitantes à Palestina. Ficaram conhecidos como os Cavaleiros Templários.
Falarei muito mais sobre eles em uma série de matérias futuras, mas por enquanto, basta sabermos que, devido à necessidade de enviar dinheiro e materiais regularmente da Europa à Palestina, os Cavaleiros Templários gradualmente desenvolveram um eficiente sistema bancário que nunca existira.
Assim, levando uma vida austera com uma forte disciplina, defendendo com desinteresse as Terras Santas, recebendo doações de benfeitores agradecidos, os Templários acumularam com o passar dos anos grande riqueza. Tais poderes, militar e financeiro, os tornaram respeitados e confiáveis para a população da época.
Os Templários financiavam, através de vultosos empréstimos, muitos reis da época. Porém, por volta de 1300 os Templários sofreram diversas derrotas militares, deixando-os em uma posição vulnerável e assim, suas riquezas se tornaram objeto de ganância e ciúme para muitos.
Na época o Rei francês Felipe IV (Felipe, o Belo) estava envolvido em uma tumultuada disputa política contra o Papa Bonifácio VIII e ameaçava com a possibilidade de embargar seus impostos ao clero. Tal agressividade do Rei contra o sumo pontífice era principalmente devido à corte francesa estar falida. Então o Papa Bonifácio em 1302 editou a Bula Unam Sanctam, uma declaração máxima do papado, que condenava tal atitude. Os partidários de Felipe então aprisionaram Bonifácio que escapou pouco tempo depois, mas veio a falecer logo em seguida. Em 1305 Felipe, com uma trama política e pressão militar, obteve a eleição de um dos seus próprios partidários, inclusive amigo de infância, como Papa Clemente V e o convenceu a residir na França, onde estaria sob seu controle todo movimento eclesiástico. (Este era o começo do denominado “Cativeiro Babilônico do Papado”, de 1309 a 1377, durante o qual os Papas viveram em Avignon e sujeitos a lei francesa).
Novamente, falarei mais sobre isso quando chegar a vez de falar sobre os Templários, mas por ora, basta sabermos que o Papa estava sob o controle total do rei Felipe, o Belo.
Agora com o Papa firmemente sob seu controle Felipe voltou-se para os Cavaleiros Templários e a fortuna deles, então denunciou os Templários à Igreja por heresia e esta aceitou tal denúncia. Então em 1307, com o consentimento do Papa, Felipe ordenou uma perseguição aos Templários prendendo-os e jogando-os em calabouços, incluindo o Grão Mestre Jacques de Molay que foi acusado de sacrilégio e satanismo. Em 1312, o Papa, agora um boneco do Rei, emitiu a ordem que suprimia a ordem militar dos Templários com subseqüente confisco da riqueza por Felipe. (Os recursos ingleses dos Templários foram confiscados de forma semelhante pelo Rei Edward II da Inglaterra, sendo a maior parte desta imensa fortuna para Portugal, onde foi criada mais tarde em 1319, a Ordem de Cristo).
Claro que os Templários já sabiam das intenções de Felipe e, quando seus exércitos invadiram os castelos templários, não acharam nem uma moeda sequer do fabuloso tesouro templário, nem a arca da aliança, nem o Santo Graal, que foram enviados em 12 galeões para fora da França.
Assim, os Templários deixaram de existir daquela data em diante e muitos de seus membros, inclusive Jacques de Molay foram torturados e obrigados a se declararem “réus confessos” para uma miríade de crimes, inclusive uma lista 127 acusações e 9 subitens! Estas incluíram tais coisas como a “reunião noturna secreta”, homossexualismo (embasado no símbolo da Ordem, que é dois soldados montando o mesmo cavalo), cuspir na cruz, negar a Cristo, etc…
Entre as acusações contra os Templários havia uma que haviam produzido algum tipo de “cabeça barbuda”. O tal do Baphomet.
Existem várias teorias, inclusive seria um relicário contendo a cabeça de João Batista ou a cabeça de Cristo, a Mortalha de Turin, uma imagem de Maomé (o pai da religião islâmica) entre outras.
Após ser torturado por 7 anos, o Mestre Jacques de Molay acabou, após sua prisão, queimado vivo em praça pública com fogo brando e muitos templários foram mortos também e outros fugindo para outros países. O que vem a ser exatamente o “Baphomet” nunca foi descrito pela Inquisição, mas é fácil perceber que se trata de uma mistureba feita pela Igreja dos ritos antigos egípcios, gregos e romanos, para variar.
Mas… e aquela imagem demoníaca?
Mais de 500 anos depois dos Templários, em 1810 na França, nasce Alphonse Louis Constant, filho de um sapateiro.
Bem cedo, ainda criança, ganhou as atenções de um padre da paróquia local que providenciou para que Alphonse fosse enviado para o seminário de Saint Nichols du Chardonnet e mais tarde para Saint Sulpice estudando o catolicismo romano com o objetivo ao sacerdócio.
Mas deixou o caminho do catolicismo para se tornar um ocultista. De qualquer forma enquanto vivo seguiu o caminho esotérico e adotou o pseudônimo judeu de Eliphas Lévi, que dizia ser uma versão judaica de seu próprio nome.
O trabalho de sua vida foi escrever volumes enormes sobre Magia que incluiam comentários extensos sobre os Cavaleiros Templários e o Baphomet. De todos seus trabalhos o mais conhecido é o que contém a ilustração (o desenho é cópia do original e observe que está assinado por Eliphas Lévi) e era usado como uma fachada para o livro “A Doutrina da Alta Magia” publicado em 1855. Levi também afirmava que se a pessoa reorganizasse as letras de Baphomet invertendo-as, adquiriria uma frase latina “TEM OHP AB” que é a abreviação de “Templi Omnivm Hominum Pacis Abbas“, ou em português, “O Pai do Templo da Paz de Todos os Homens”. Uma referência ao Templo do Rei Salomão, capaz de levar a paz a todos.
A palavra “Baphomet” em hebraico é como segue: Beth-Pe-Vav-Mem-Taf. Aplicando-se a cifra Atbash (método de codificação usado pelos Cabalistas judeus), obtém-se Shin-Vav-Pe-Yod-Aleph, que soletra-se Sophia, palavra grega para “sabedoria”.
E o que esta imagem significa?
Na Alquimia, o uso de alegorias e imagens é muito comum para expressar idéias e conceitos. Vamos analisar com calma a figura do Baphomet:
- A imagem possui a cabeça com características de chacal, touro e bode, representando os chifres da sabedoria, virilidade e abundância. O chacal representa Anúbis (o deus-chacal) e também o “Mercúrio dos Sábios”, o Touro representa o elemento terra e o “Sal dos Filósofos” e o bode representa o Fogo e o “Enxofre fixo”. Juntos, a cabeça da imagem representa os três princípios da Alquimia.
- A tocha entre seus chifres representa a sabedoria divina e a iluminação. Tochas estão associadas ao espírito nos 4 elementos e colocadas sobre a cabeça de uma imagem representam a inspiração divina. Isso pode ser observado até os dias de hoje, em personagens de quadrinhos que, quando tem uma idéia, aparece uma lâmpada sobre suas cabeças (grande Walt Disney!).
- O conjunto dos dois chifres também representam as duas colunas na Árvore da Vida e o fogo sendo o equilíbrio entre elas. A lua branca representa a magnanimidade de Chesed (Júpiter) e a lua negra o rigor de Geburah (Marte).
- O pentagrama na testa de Baphomet representa Netzach (Vênus), o Pentagrama, o símbolo da proteção e da magia. Importante notar que ele se encontra voltado com a ponta para cima. As pernas cruzadas associadas ao cubo representam Malkuth.
- Nos braços do Baphomet estão escritos “Solve” no braço que aponta para cima e “Coagula” no braço que aponta para baixo. Solve representa “dissolver a luz astral” e coagula significa “coagular esta luz astral no plano físico”. Em outras palavras: tudo aquilo que você desejar e mentalizar no plano astral irá se manifestar no plano físico. Alguém ai assistiu ao filme “The Secret?”
- Os braços nesta posição representam o “Tudo o que está acima é igual ao que está abaixo”, ou “O microcosmo é igual ao macrocosmo”, ou “Assim na Terra como no Céu”. É a mesma posição dos braços representada no Arcano do Mago no tarot.
- a imagem possui escamas, representando o domínio sobre as águas, ou emoções.
- a imagem possui asas, representando o domínio sobre o Ar, ou a razão.
- a imagem possui patas de bode, representando seu domínio sobre a Terra, ou o material. Também representam a escalada espiritual.
- a imagem possui fogo em seus chifres, representando o domínio sobre o Fogo.
- Os seios representam a maternidade e a fertilidade, e também o hermafroditismo, simbolizando que a alma não possui sexo e que não “somos” homens ou mulheres, mas “estamos” homens ou mulheres.
- a imagem está parcialmente coberta, parcialmente vestida (atenção, irmãos e fraters), representando que o corpo não está apenas no plano material (roupas), mas por debaixo da matéria está também o espírito (parte nua). Podemos perceber isto melhor nos arcanos Estrela e Lua no tarot.
- Baphomet está sentado sobre o cubo. O cubo e o número 4 representam o Plano Material, e estar sentado sobre ele representa o domínio sobre o plano material (vide arcanos Imperador e Imperatriz no tarot).
- O falo do Baphomet é o Caduceu de Hermes, representando a Kundalini e as energias sexuais ativadas, a virilidade e todo o desenvolvimento dos chakras.
- Finalmente, a figura representa a Esfinge, aquela que guarda os portais das iniciações, pela qual os covardes não passarão. Aquele que teme uma figura por pura ignorância nunca será um iniciado.
No tarot de Marselha, podemos observar algumas destas representações. O Diabo (Arcano XV) no tarot representa as Paixões, por isso o homem e a mulher acorrentados em Malkuth (a Terra, o gado) aos pés da imagem. No tarot de Rider Waite, no século XX, o diabo já aparece com a estrela invertida, por influência da Ordo Templi Orientalis (e que para os iniciados não significa nada “satânico”… falarei sobre pentagramas invertidos na próxima coluna).
Associações mentirosas com a Maçonaria
Para analisarmos como esta figura foi parar nas mãos dos ignorantes evangélicos e católicos, precisamos explicar quem foi Leo Taxil (seu verdadeiro nome era Gabriel Antoine Jogand Pagès).
Taxil havia sido iniciado na Maçonaria, mas fora expulso ainda como aprendiz. Por vingança, acabou por inventar uma ordem maçônica “altamente secreta” chamada Palladium (que só existia na imaginação fértil de Taxil) supostamente comandada por Albert Pike (o Grão Mestre da Maçonaria na época). Seu objetivo, então, era revelar à sociedade tal misteriosa e maléfica Ordem.
Ficou famoso com isso e ganhou uma audiência com o Papa Leão VIII em 1887. Assim, a Igreja Católica alegremente patrocinou e financiou a campanha de Taxil, inclusive a edição de seus livros.
Albert Pike (1809-1891) era um Brigadeiro General da Confederação na Guerra Civil Americana que, quase sozinho, foi responsável pela criação da forma moderna do Rito Escocês Antigo e Aceito. Abastado, literato e detentor de uma extensa biblioteca, foi o Líder Supremo da Ordem de 1859 até à data da sua morte em 1891, tendo escrito diversos livros de História, Filosofia e viagens, sendo o mais famoso “Moral e Dogma”.
O panfleto de lançamento do livro de Taxil pode-se ver Baphomet com algumas modificações e um avental maçônico cobrindo o falo. O livro “Os Mistérios da Franco Maçonaria” (lado esquerdo) descreve um grupo de maçons endiabrados que dançam ao redor do Baphomet puxado por um ex-padre, nada mais nada menos, que o famoso e falecido “Pai do Baphomet”, Eliphas Lévi (falecido em 1875). Leo Taxil ganhou muito dinheiro, inclusive do Vaticano, enganado todo tipo de crédulos.
Finalmente, em 19 de abril de 1897 em um salão de leitura, Taxil iria apresentar uma tal senhorita Vaughan, que na verdade nunca existiu, renunciando a Satã e convertendo-se ao catolicismo. A igreja ansiosamente aguardou tal apresentação. Na data o salão lotou de pessoas do clero católico, maçons e jornalistas. Depois de um palavreado enorme, cheio de volteios, Taxil então finalmente revelou que nada tinha a revelar, porque nunca havia existido tal “Ordem Palladium”. Foi um tumulto imenso. De fato, Gabriel Jogand tinha fabricado a história inteira como uma farsa monumental às custas da igreja. No final, foi chamada a polícia para os ânimos fossem controlados e tudo não acabasse em uma imensa briga e quebra-quebra. Taxil morreu dez anos depois, em 1907, com 53 anos.
Em suma, Baphomet nasceu de uma lenda dos Templários, ganhou forma nas mãos de Eliphas Leví e foi associado à Maçonaria por Leo Taxil.
E daqui, o resto é história. A fraude, apesar de ter sido revelada por seu criador, continua e é aceita como “verdade absoluta e incontestável” por novas gerações de religiosos ignorantes (ou de má-fé).
A Maçonaria é difamada por uma acusação absurda e também por aqueles que pensam ser religiosos corretos e acabam por perpetuar uma mentira inconscientemente.
sábado, 5 de julho de 2008
Baphomet
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